A profusão de ofertas de benefícios fiscais de ICMS por trading companies, o que se dá nas importações processadas sob a modalidade por conta e ordem de terceiros, é tema recorrente entre os operadores do comércio exterior.
Evidentemente, a carga tributária na importação afeta diretamente a margem do adquirente, de modo que a busca por benefícios é tema de grande interesse para esse público. Contudo, em matéria tributária não há milagre. Ou melhor, se há milagre, há de se desconfiar.
Quando importador e adquirente estão estabelecidos no mesmo estado, não há maiores controvérsias. O problema surge quando ambos estão sediados em unidades distintas da federação, situação em que para fazer uso dos benefícios de ICMS o recolhimento é feito para o estado da trading, e não para o do adquirente. É aí que entram os benefícios fiscais milagrosos e seus respectivos riscos.
O tema é complexo e controvertido. O STF inclusive já reconheceu a repercussão geral da matéria no Recurso Extraordinário 665.134, ainda pendente de julgamento. Vale esclarecer que não se pretende neste exíguo artigo a defesa de uma ou outra tese jurídica sobre se o sujeito ativo para cobrança do tributo é o estado do adquirente ou o do importador. O objetivo é informar sobre o que vem ocorrendo na prática, fornecendo aos leitores as ferramentas necessárias para evitarem situações de risco fiscal.
A questão ganha contornos de complexidade considerando que o ICMS é tributo de competência estadual, de modo que cada estado-membro possui legislação própria. Some-se a isso as particularidades da importação por conta e ordem de terceiro, na qual a empresa importadora (trading) é mera prestadora de serviços, não estabelecendo em nenhum momento relação de propriedade com os bens provenientes do exterior. Como o próprio nome da modalidade já sugere, a operação se processa com recursos (por conta) e a mando (ordem) do adquirente.
Não raro alguns incautos acabam optando por modelos de operação de importação duvidosos. É comum trading companies oferecendo serviços de importação para adquirentes estabelecidos em unidades da federação diversas da sua, prometendo muitas vantagens.
Em alguns desses modelos operacionais, ao promoverem a nacionalização de mercadorias importadas as tradings utilizam os benefícios de ICMS de que são detentoras e seus próprios estados, promovendo o recolhimento do tributo para estas mesmas unidades federadas. Após o desembaraço, as mercadorias são destinadas ao estabelecimento do adquirente, este localizado em estado diverso, e de lá são comercializadas para o mercado interno. Em muitos casos, a mercadoria sequer transita pela unidade da federação que sedia a importadora/trading.
Contudo, têm sido frequentes os autos de infração lavrados pelas Fazendas dos estados dos adquirentes, sob o entendimento de que estes são os importadores de fato em tais operações, os donos da mercadoria, e no interesse de quem se processam as operações. Por tal motivo os estados-sede dos adquirentes têm entendido deterem capacidade tributária para cobrança do ICMS incidente sobre importações nas operações por conta e ordem.
Tal cenário coloca os adquirentes em situação extremamente adversa, pois além do valor de ICMS já desembolsado quando do desembaraço (para o estado em que se encontra localizada a trading), o adquirente passa a ser cobrado pelo ICMS devido ao estado em que está sediada.
As operações organizadas conforme narrado acima geram a cada operação um passivo tributário. E o problema geralmente não é sentido ao tempo em que a importação ocorre, e sim anos mais tarde. A operação se processa normalmente, pois para o desembaraço das mercadorias basta a comprovação do recolhimento ou da exoneração de ICMS, com o que a mercadoria é desembaraçada. Caso tenha havido pagamento de tributo a menor ou recolhimento para o estado errado, não é no momento do desembaraço que tal problema aparece. Isso porque o órgão competente pelo procedimento de despacho aduaneiro, a Receita Federal do Brasil, não é competente para fiscalização do ICMS, atividade de competência estadual.
Havendo erro no recolhimento do ICMS incidente na etapa de desembaraço aduaneiro, o sujeito ativo, ou seja, o estado federado que detém capacidade para cobrar o tributo é que irá, anos mais tarde, notificar o importador (trading company) e o adquirente para pagar o débito. Em tal cenário, o reembolso do ICMS já pago é incerto e difícil, e um novo pagamento de ICMS iminente.
Portanto, considerando o entendimento que vem sendo adotado pela Fazendas Estaduais, as empresas, ao estruturarem suas operações de importação, devem ter em mente que são irrelevantes os benefícios fiscais concedidos pelo Estado onde está localizada a trading que pretendem contratar. Isso porque o ICMS a ser recolhido é aquele do estado no qual está situado o próprio adquirente, contratante da trading, o qual vem sendo chamado de “importador de fato” pela jurisprudência.
Nesse contexto, para que possa usufruir do incentivo fiscal concedido à trading e ao mesmo tempo evitar a surpresa de um auto de infração, é necessário que o adquirente possua estabelecimento no estado concessor do benefício e de lá promova as saídas subsequentes de suas mercadorias.
Para a correta estruturação das operações de comércio exterior é fundamental que o empresário conte com assessoria especializada e experiente, que conheça profundamente a legislação aplicável, tudo a fim de evitar riscos desnecessários. Informações precisas e atualizadas são fundamentais, pois, tratando-se de tributação das importações, a decisão errada pode custar a vida da organização.